Era uma reunião como outra qualquer, até que minha chefe virou para mim e disse: “Raphael, você é uma pessoa que diz muitos nãos e, além disso, as pessoas da sua equipe estão ficando cada vez mais críticas. Tem sido cada vez mais difícil conseguir que elas aceitem tudo o que eu peço. Não sei se isso é bom ou ruim, mas com certeza me gera um certo incômodo”.
Fiquei refletindo sobre essa colocação. Como seres humanos, estamos inseridos em um ambiente que reforça comportamentos e hábitos, e tendemos a seguir as outras pessoas. Isso significa que, se as pessoas ao nosso lado dizem muito “sim”, provavelmente seguiremos esse padrão.
Naquele contexto, percebi que as pessoas ao redor daquela executiva aceitavam tudo o que ela trazia, sem questionar. Não refletiam se as solicitações estavam conectadas com algum tipo de objetivo maior, se gerariam algum impacto positivo ou se ajudariam a organização a operar de forma mais eficiente. Estavam presas à síndrome do status quo, que costumo chamar de síndrome Gabriela: “Eu nasci assim, eu cresci assim, Gabriela”.
Com o tempo, essa executiva passou a aceitar um pouco mais os “nãos”. No entanto, percebi que as pessoas ainda tinham dificuldade em articular o contexto, os problemas a serem resolvidos, os prós e contras em se trabalhar naquela nova ideia, ou mesmo avaliar a viabilidade em trabalhar nas possíveis soluções. Essa dificuldade tornava o ato de dizer “não” quase impossível. Assim, elas continuavam aceitando tudo o que era pedido.
Passado algum tempo, percebi que poderia patrocinar os “nãos”, dado que tinha poder para sustentar uma decisão e garantir que o “não” fosse bem recebido e não se tornasse um rótulo negativo.
Em ambientes que tendem a dizer “sim” para tudo, é comum rotular negativamente pessoas que apresentam um pensamento crítico e valorizar aquelas que dizem “sim” a todo momento.
Além disso, notei que pessoas de grupos sub-representados, como mulheres, pessoas negras e pessoas trans, tendiam a não se sentir seguras para dizer “não” por medo de retaliação. Isso contribuía para que elas ficassem sobrecarregadas.
Se por algum motivo você se identificou com esta história, trago algumas dicas para que você possa tornar o “não” mais natural.
Dicas para naturalizar o não
- Mostre interesse antes de dizer não. Conecte-se genuinamente com a pessoa que está demandando algo. Capturar elementos mais sutis, como pressões geradas pelo ambiente, interesses e incentivos, ajuda a criar empatia pelo pedido e demonstra ao requisitante que você está realmente interessada no que foi trazido.
- Defina um frame para analisar os pedidos. Sem uma estrutura para organizar as demandas, é difícil avaliar o que é mais importante. Gosto de usar um modelo que relaciona a situação aos problemas, às implicações e às possibilidades de solução. Criar uma narrativa estruturada ajuda todas as partes a entenderem melhor o pedido e a avaliá-lo.
- Analise os prós e contras. Antes de se comprometer, considere não apenas os efeitos lógicos, como impacto para o negócio, mas também os efeitos sociais, como ganho ou perda de capital social, e os impactos na saúde das pessoas. Dizer “sim” em um ambiente sobrecarregado pode levar ao adoecimento por exaustão.
- Busque apoio e patrocínio. Socializar o “não” o quanto antes reduz desgastes. Além disso, utilizar as vozes de pessoas em cargos mais altos reforça que o “não” é uma possibilidade viável e respaldada.
Conclusão
Nem sempre será possível dizer “não”. Meu ponto é garantir que o “sim” não conflite com seus princípios e valores, seja feito de forma mais consciente e gere ambientes de trabalho mais sustentáveis.
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