Uma cultura forte é essencial para a execução da estratégia. Em algum momento você já deve ter interagido com a frase: a cultura come a estratégia no café da manhã. Via de regra, não importa o quão bem desenhada é a estratégia de uma empresa, ela vai falhar se não houver uma cultura que encoraje as pessoas a tirarem as aspirações do papel e as colocarem em prática.
Outros elementos podem levar a estratégia de uma empresa a mudar repentinamente como os movimentos que acontecem no mercado, variações bruscas na performance dos principais indicadores da organização ou o avanço na adoção de tecnologias que, quando combinadas com um momento da história, geram inovações nos modelos de negócios.
Mesmo sabendo que a cultura não é o único fator que altera uma estratégia, é preciso compreender o seu impacto na forma como as dinâmicas acontecem dentro do dia a dia das organizações.
A cultura pode ser definida como a maneira que as pessoas, interna ou externamente, percebem a organização e o que a torna única. Em linhas gerais, a cultura pode ser compreendida como o código, a lógica central, o software que dita os comportamento das pessoas.
É pensando em decodificar as linhas que compõem este software que apresento neste artigo definições sobre a cultura organizacional.
O que é cultura organizacional?
A cultura organizacional refere-se a um sistema de valores compartilhados que mostram às pessoas o que é um comportamento apropriado ou inapropriado dentro de um ambiente (Chatman & Eunyoung, 2003).
Robert Kegan e Liz Lahey definem cultura como um conjunto de rotinas e práticas para realizar o trabalho sustentados por uma linguagem única e ancorados por suposições profundas compartilhadas sobre como o mundo funciona, como os problemas podem ser resolvidos e o que é valorizado (Kegan & Lahey, 2016).
Sendo assim, a cultura pode ser entendida como um tecido que combina crenças, códigos, histórias, práticas e interpretações e que alimenta as ações tomadas dentro de uma organização. Não é algo que a organização diz ser, mas algo que ela faz e que as pessoas a sua volta percebem.
O termo cultura organizacional tornou-se popular na década de 1980, quando o livro best-seller de Peters e Waterman, In Search of Excellence, apresenta que o sucesso de uma empresa pode ser atribuído a um contexto que busca um alto alinhamento, que prioriza a perspectiva de quem é cliente e que empodera e valoriza as pessoas.
Ao definir os comportamentos e as normas aceitáveis, a cultura organizacional cria uma identidade coletiva e promove a coesão interna. Isso influencia a percepção das pessoas em relação ao ambiente de trabalho, afetando seu nível de engajamento, satisfação e comprometimento.
Compreender e gerenciar a cultura é fundamental para o sucesso e a eficácia de uma organização, pois ela molda e é moldada pela maneira como as pessoas e seu ambiente operam.
Embora a cultura organizacional possa ter elementos profundamente enraizados que permanecem relativamente estáveis, ela não é estática. Como um sistema vivo e aberto, a cultura evolui e se adapta às influências internas e externas. Portanto, é necessário pensar de forma intencional em mecanismos para nutri-la e fazê-la evoluir.
Como as culturas são criadas?
A cultura de uma organização é moldada à medida que ela enfrenta desafios, tanto externos quanto internos, e aprende a lidar com eles. Esse modelo mental é então transmitido às pessoas como a maneira de operar no dia a dia daquele ambiente (Schein, 1992). Tal conjunto de crenças, valores e comportamentos desejados torna-se inegociável e transforma-se em suposições básicas que são consideradas como certas e, consequentemente, deixam de ser conscientes.
Ao investigar organizações de diferentes tamanhos, idades, mercados e perfis, identifiquei três fatores que impactam a formação da cultura: os valores e crenças de quem funda uma organização; as características específicas do segmento em que a organização opera; e sua estrutura de governança.
Valores dos Fundadores
A cultura de uma empresa, especialmente em seus estágios iniciais, está intrinsecamente ligada à personalidade, histórico, repertório e valores dos seus fundadores, bem como à visão que eles têm para o futuro da organização.
Quando empreendedores criam seus próprios negócios, a maneira como conduzem suas operações molda as dinâmicas da empresa e influencia as pessoas que serão contratadas. Portanto, compreender e preservar os valores dos fundadores é essencial para manter a identidade de uma organização.
Características do segmento
Embora os fundadores influenciem as culturas organizacionais, é crucial reconhecer que as características do setor também desempenham um papel significativo.
Organizações do mesmo setor podem ter culturas distintas, mas certas características e demandas da indústria criam similaridades entre elas.
Por exemplo, no setor bancário é comum encontrar uma cultura estável e orientada por regras, enquanto no setor de tecnologia prevalece uma cultura voltada para a inovação. Organizações sem fins lucrativos, por sua vez, geralmente possuem uma orientação para causar impacto positivo nas pessoas.
Se um segmento possui requisitos regulatórios rígidos, como bancos, assistência médica e setores de alta confiabilidade, é provável que haja um volume de regulamentos a serem seguidos, uma estrutura burocrática e uma cultura mais estável.
Estruturas de governança
O terceiro elemento fundamental na construção de uma cultura refere-se à estrutura de governança, que pode ser definida como o conjunto de mecanismos, processos e práticas estabelecidos em uma organização para orientar e controlar suas atividades (Grandori e Santi, 2008).
Em um cenário em constante mudança, no qual a tecnologia exerce um impacto significativo na forma como os negócios são modelados, pode parecer atraente afirmar que a aplicação de modelos adaptáveis é suficiente para tornar um ambiente inovador. No entanto, Grandori e Santi (2008) observaram que não é tão simples assim. Em um estudo realizado com organizações italianas, as autoras constataram que as empresas mais inovadoras combinam diferentes tipos de estruturas de governança interna, caracterizadas por:
- Estrutura de mercado (incentivos monetários): remuneração baseada em desempenho (individual ou coletivo);
- Estrutura burocrática (autoridade): plano de carreira, planejamento estratégico, sistema de avaliação de desempenho, programas e processos de controle de qualidade;
- Estrutura comunitária (divisão de conhecimento, valores e cultura): compartilhamento de informações, canais de comunicação com stakeholders (clientes, colaboradores, etc.), trabalho em equipe e participação no processo de tomada de decisão/escolhas;
- Estrutura democrática (responsabilidade, decisão e direitos representados): distribuição de responsabilidades, enriquecimento das atividades dos colaboradores e empoderamento dos colaboradores.
De acordo com o estudo de Grandori e Santi (2008), empresas que combinam estruturas de mercado, burocrática e comunitária apresentam um alto desempenho em inovação e eficiência. Destaco algumas conclusões que me chamaram a atenção:
- As estruturas de mercado e comunitárias não são mutuamente exclusivas nem necessariamente complementares para incentivar a inovação. Portanto, uma empresa pode combinar resultados e colaboração para gerar inovação;
- As estruturas burocráticas mostraram-se mais relevantes para alcançar resultados relacionados à eficiência;
- A combinação entre as estruturas de mercado e burocrática é capaz de gerar alto desempenho em inovação em contextos com baixa complexidade e baixa incerteza. Assim, ambientes essencialmente rígidos e competitivos podem gerar inovações menos disruptivas;
- A combinação entre as estruturas de mercado e comunitária é uma forma eficaz de alcançar simultaneamente eficiência e inovação em grandes empresas.
Você pode estar se perguntando: afinal, o que isso tem a ver com o desenvolvimento de uma cultura?
Se você trabalha em uma empresa focada em resultados (estrutura de mercado), provavelmente terá dificuldades em desenvolver uma cultura colaborativa, a menos que já exista uma estrutura comunitária estabelecida. Por outro lado, se você estiver em uma empresa que possui uma estrutura colaborativa (comunitária), mas carece de controle (estrutura burocrática), é provável que enfrente um ambiente ineficiente.
Portanto, para promover eficiência, inovação e eficácia, é essencial que a formação da organização incorpore estruturas de governança que combinem resultados, gestão baseada em processos, colaboração e visão sistêmica, levando em consideração não apenas a perspectiva dos fundadores e do mercado em que ela atua.
Conclusão
A cultura organizacional pode ser definida como um tecido social que engloba diversos elementos, como valores, modelo mental das lideranças, rituais, sistemas de incentivo, fluxo de comunicação e práticas. Destaco também a importância de não limitar a análise da cultura apenas às culturas locais das equipes, mas sim buscar compreender como essas culturas se relacionam com uma análise do todo.
Essa perspectiva mais ampla permite identificar os pontos-chave para intervenções efetivas e gerar uma mudança cultural eficaz.
É fundamental contar com o apoio das lideranças. Líderes que ignoram ou punem más notícias podem prejudicar a promoção de uma cultura de inovação, afinal, falhas são inerentes a sistemas complexos. Ao adotar uma abordagem de aprendizado e melhoria contínua, as falhas se tornam oportunidades valiosas para o progresso e a evolução da organização.
Por fim, encorajar a novidade e a experimentação revela-se vital, pois a resistência à mudança é uma tendência humana natural. Reconhecer que a realidade está em constante transformação e incentivar as equipes a explorar novas ideias e abordagens contribuirá para um trabalho mais eficiente e inovador.
Se você se interessou pelo tema e quer se aprofundar, deixo como recomendação final uma conversa recente que tive com o Paulo Chiodi da Product Gurus sobre a relação entre a cultura e as equipes de produto.
Referências
CHATMAN, J. A.; CHA, Soon Ang. Leading by leveraging culture. California Management Review, v. 45, p. 19-34, 2003.
GRANDORI, Anna; FURNARI, Santi. A Chemistry of Organization: Combinatory Analysis and Design. Organization Studies, v. 29, n. 3, p. 459-485, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0170840607088023. Acesso em: 20 jun. 2023.
KEGAN, Robert; LAHEY, Lisa Laskow. An Everyone Culture: Becoming a Deliberately Developmental Organization. 1st ed. Harvard Business Review Press, 2016.
SCHEIN, Edgar H. Organizational Culture and Leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1992.